30/03/2020 GaúchaZH
Se entre as autoridades ainda há dúvidas sobre qual é o melhor caminho para combater o coronavírus, economistas parecem ter chegado a um raro consenso. Independentemente dos rumos da quarentena — alvo de controvérsia no país —, profissionais que são referências em suas áreas defendem que o governo federal deixe de lado a meta fiscal do ano e direcione o máximo de recursos que puder para amenizar os prejuízos causados pela pandemia. De preferência, rápido.
Dos seis especialistas ouvidos por GaúchaZH, nenhum defende o fim imediato das medidas de isolamento social. Foram consultados Alexandre Schwartsman, que foi diretor do Banco Central (BC) entre 2003 e 2006, no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV-IBRE); Henrique Meirelles, presidente do BC entre 2003 e 2011 (também na gestão Lula) e ministro da Fazenda de Michel Temer; Aod Cunha, secretário estadual da Fazenda na administração de Yeda Crusius; Bruno Jatene, atual chefe do Tesouro Estadual no Rio Grande do Sul; e Raul Velloso, especialista em finanças públicas e secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento de José Sarney, no fim dos anos de 1980.
Mesmo os mais ferrenhos defensores do controle das contas públicas destacam a premência de aumentar os gastos em tempos de emergência sanitária — embora Pessôa ressalte a importância de haver uma sinalização, por parte do governo, de que "vai arrumar a casa no longo prazo". O objetivo, no momento, é atenuar os efeitos da paralisação, considerada inevitável, em uma espécie de “orçamento de guerra”, nas palavras de Aod.
Todos eles convergem ao afirmar que, agora, é preciso priorizar vidas. Isso inclui investir pesado na saúde para evitar o colapso do sistema, auxiliar Estados e municípios com dinheiro extra e socorrer empresas e trabalhadores com medidas de compensação efetivas, amplas e acessíveis.
A seguir, confira como cada um respondeu às seguintes questões: na sua avaliação, até onde deve ir o isolamento, alvo questionamentos no país? Quais são as alternativas para combater o coronavírus e, ao mesmo tempo, amenizar os danos à economia?
“A resposta honesta sobre o fim da quarentena é: não é possível afirmar quando vai terminar. A experiência sugere que ainda deve demorar. Vai depender de como o contágio vai evoluir, e a gente está no escuro, porque aplica poucos testes. Então, a saída é a quarentena. Se não cuidarmos da saúde agora, vai ser pior depois. Temos de encarar isso e minimizar os efeitos sobre a população, o que recém começamos a fazer. Vamos precisar de um programa de renda e de uma rede de proteção social. Começamos pelo setor informal (com a aprovação de R$ 600 por pessoa na Câmara), mas também temos de olhar para o setor formal, aumentando o salário-desemprego e liberando o FGTS. A outra prioridade é chegar às empresas. É boa a iniciativa da União de abrir linha de crédito, apesar da demora. Até então, o Ministério da Economia estava catatônico. Agora é a hora de ir com tudo.”
“Não vou dar palpite sobre a quarentena. A discussão sanitária deve ser separada da econômica. Não deveria haver um confronto entre os dois lados. Do ponto de vista da economia, as medidas têm de ser tomadas e são urgentes. A primeira é um programa de renda básica que atinja quem não está em outros programas. A distribuição de ao menos R$ 600 por pessoa (para trabalhadores informais) tem de durar no mínimo um ano. Item dois: não pode faltar dinheiro público na área da saúde. Item três: Estados e municípios precisam de apoio. Item quatro: a União acerta ao olhar para as empresas com a abertura de linha de crédito. Estamos diante de uma perspectiva de uma enorme depressão, e o governo deve aportar recursos sem se preocupar com a questão fiscal. Se outros países estão gastando 15% do PIB, temos de gastar pelo menos 10% para não deixar a roda parar de girar.”
“O momento que vivemos é praticamente de guerra. A flexibilização do isolamento vai ocorrer naturalmente, mas esse período é necessário devido ao achatamento da curva de contágio. É preciso ter elementos científicos que justifiquem a liberação para não repetirmos o caso da Itália, catastrófico. Nosso foco, agora, é priorizar vidas e, para isso, precisamos de ajuda da União o mais rápido possível. O governo federal fez anúncio importante, de R$ 88 bilhões de ajuda a Estados e municípios, mas o dinheiro ainda não chegou e é insuficiente. Quem emite moeda e títulos da dívida é o governo central, que precisa estar convencido de que é necessário gastar dinheiro. Não é hora de pensar apenas nas contas públicas. Sempre trabalhei sob a ótica do ajuste fiscal, mas essa é uma questão excepcionalíssima e precisa ser tratada com agilidade e foco na liquidez, para solucionar os problemas que já são sentidos.”
“Quando o vírus chegou na Itália, as primeiras reações nos mostraram algo parecido com o que vemos no Brasil: um certo descrédito. O caso do prefeito de Milão é emblemático. Ele teve de voltar atrás, com um isolamento mais forte, com mais prejuízos. E ficou claro que, se o choque no sistema de saúde não for evitado e ele colapsar, cria-se uma incerteza muito grande na economia. Nenhum governo gosta de decretar medidas de isolamento, mas salvar a economia também é dar oportunidade para que o sistema de saúde possa atender às pessoas atingidas. Com o sistema melhor organizado, a economia pode voltar a funcionar o mais rápido possível. Por isso, precisamos de união. O governo federal precisa ajudar empresas, pessoas, Estados e municípios. Não é hora de pensarmos na meta fiscal. O governo tem de definir um orçamento de guerra, em montante significativo.”
“Agora a prioridade é salvar vidas e evitar a propagação da doença, que é gravíssima. Esperamos que o Brasil adote todas as medidas de proteção à vida e, aí sim, medidas de auxílio à sustentação das pessoas para evitar o desemprego, medidas de compensação pela suspensão temporária de trabalho e financiamento para permitir que as empresas passem por esse período. Temos uma crise econômica que é consequência da pandemia. É diferente de todas as crises que já tivemos. Enfrentei a crise de 2008 com sucesso e tudo era questão de ordem financeira. Agora, é uma crise de saúde. Então, temos de tomar, sim, medidas de contenção para evitar a propagação. Temos de trabalhar duro na contenção da doença e em medidas de compensação. No momento em que cair a contaminação, aí a população está preparada para voltar a trabalhar.”
"Todos que tentaram fazer o que o presidente Jair Bolsonaro deseja (flexibilizar a quarentena) se arrependeram. Os fatos indicam que ele está errado. Quanto às medidas para amenizar a crise, lentamente a equipe econômica está entendendo o problema. Uma saída para sustentar a renda dos trabalhadores informais já foi aprovada. Precisamos ainda de um ambicioso programa de crédito para empresas, o que recém foi anunciado. Outro ponto é reduzir o custo da folha de salários, porque o empresário não vai conseguir bancar tudo. A redução poderia ser compensada pelo seguro-desemprego e pela liberação do FGTS. Também tem de cair o salário do setor público, e a União precisa sustentar a receita de Estados e municípios. Isso tudo vai estourar a meta fiscal, então será importante, por fim, aprovar um mecanismo capaz de sinalizar que, no futuro, a gente vai arrumar a casa."