02/04/2020 GaúchaZH
Diante das incertezas disseminadas pelo coronavírus, a Secretaria Estadual da Fazenda começa a contabilizar prejuízos e a se preparar para o pior. Depois de um primeiro bimestre com resultados melhores em comparação ao mesmo período de 2019, o secretário Marco Aurelio Cardoso adverte: sem socorro financeiro da União, a queda na arrecadação do Estado pode atingir a casa dos bilhões, os atrasos em pagamentos tendem a aumentar e está fora de cogitação suspender a cobrança de ICMS e de IPVA para toda a população - mesmo que isso signifique alívio para os contribuintes.
Em janeiro e fevereiro, conforme relatório divulgado nesta semana pela Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (Cage), o governo gaúcho registrou déficit orçamentário (despesas acima das receitas) de R$ 91,9 milhões, bem abaixo do rombo de R$ 1,1 bilhão contabilizado nos primeiros 60 dias de 2019. Isso foi possível graças à combinação de mais valores arrecadados e controle rigoroso de gastos. O problema é que os ventos, que eram favoráveis, mudaram. E viraram tempestade.
Com efeitos colaterais imprevisíveis, a covid-19 tem potencial para levar as finanças estaduais a uma situação ainda pior do que a enfrentada em 2015 e 2016, quando o país mergulhou em dois anos seguidos de recessão. A pandemia também torna incertos os planos do Palácio Piratini que poderiam ajudar a colocar em dia o pagamento da folha do Executivo, entre eles a privatização da CEEE - cujo leilão estava previsto para setembro e pode acabar prorrogado.
De perfil técnico e conhecido pela ponderação, Cardoso evita falar em “colapso” e ressalta, em entrevista concedida nesta quarta-feira (1º) a GaúchaZH, que a prioridade, agora, é preservar vidas. Apesar disso, admite que terá problemas se o governo federal não garantir liquidez ao caixa. O economista afirma que as medidas anunciadas até agora pela equipe econômica são importantes, mas não servem ao Rio Grande do Sul.
Por isso, argumenta o secretário, não há como prorrogar ou reduzir o recolhimento de tributos estaduais, ao menos não para todos, como pregam alguns setores. Segundo Cardoso, poderá haver a suspensão de três meses no ICMS de empresas menores, inscritas no programa Simples Gaúcho, desde que o Conselho Nacional de Política Fazendária autorize. Sem suporte robusto da União, o secretário descarta a possibilidade de ir além.
Dados do primeiro bimestre indicam melhora nas finanças do Estado, mas depois disso veio o coronavírus. Qual é o cenário projetado agora?
De fato, tivemos um início de ano mais favorável, com receitas bem acima do que vínhamos observando e com despesas sob controle. Infelizmente, com a crise, o panorama é outro. A prioridade absoluta, agora, é a saúde. Temos de seguir os protocolos científicos porque não há nada mais importante do que a vida das pessoas, ainda que o efeito colateral na economia seja imenso e que essa crise seja muito diferente das anteriores. Temos três grupos com sérias restrições: os indivíduos, em especial os autônomos, as empresas e os Estados e municípios, que não têm alternativas de compensação de receita. Não temos um colchão que permita uma perda de arrecadação como a que vem pela frente.
Quais são os impactos e o que vem pela frente?
Projetamos impacto de R$ 700 milhões em abril, tanto que alongamos em 17 dias o prazo de pagamento da folha do Executivo. Se isso se repetir ao longo de três, quatro meses, poderemos ter uma queda de arrecadação de bilhões de reais, e isso afetará as prefeituras também. O governo federal anunciou medidas na direção certa para ajudar Estados e municípios, mas boa parte delas não é relevante no caso do RS. Precisamos de suporte.
O senhor teme um colapso na contas do Estado?
Depende o que se entende por colapso. Se a crise se prolongar por meses, podemos ter muita dificuldade com nossos prazos de pagamento. Conseguimos estabilizar os repasses à saúde e a fornecedores. E os recursos para a saúde têm chegado. Há uma agilidade maior nisso. O problema é que precisamos de reposição de arrecadação. O governo federal vai ter de agir, e a ajuda precisa ser rápida e proporcional à queda.
Os servidores devem se preparar para atrasos maiores na folha daqui para frente?
Sempre trabalhamos com os números do mês. Não tem como trabalhar mais para frente. Fazer uma ilação neste momento é impossível. Ao longo de abril teremos um retrato mais fiel do impacto na arrecadação e vamos ter de construir uma saída para repor as perdas.
O mesmo vale para fornecedores?
Em geral, 60 dias após a liquidação, eles são pagos. Não prevemos nenhuma alteração no fluxo de pagamento de fornecedores, do Daer (Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem), das cotas da saúde. São recursos que a gente precisa manter estabilizados.
E os repasses para hospitais e prefeituras?
Temos mantido o compromisso (de não voltar a atrasar de forma recorrente) e consideramos isso importante especialmente neste momento.
Alguns setores sugerem a suspensão da cobrança de ICMS e de IPVA. É viável?
A gente já propôs, esperando a aprovação do conselho nacional (de política fazendária), medida similar à do governo federal para empresas do Simples (micro e pequenas). Aqui são 200 mil contribuintes. Seria uma suspensão de ICMS por três meses. No fluxo financeiro, o impacto disso não é tão grande. A questão que se coloca é: não temos alternativa de cobertura de receita (para ampliar essa medida). Para empresas que não podem pagar salários porque não estão recebendo, o governo está dando uma linha de crédito. Em relação aos Estados, deve ser entendido da mesma maneira. Se a gente não tiver a reposição da arrecadação, se partirmos para suspensão de ICMS e IPVA, o Estado para. Não podemos resolver a crise sozinhos. Não há a menor condição de partirmos unilateralmente para suspensões sem cobertura.
Como fica, agora, a negociação para adesão ao regime de recuperação fiscal (RRF)?
Esta semana pode ocorrer a votação do projeto de lei complementar 149 (que prevê socorro aos Estados e altera regras do RRF). É um texto bastante que foi discutido com todos os Estados. Se isso avançar, poderemos submeter novamente nosso plano e esperamos que a adesão ocorra, porque temos de continuar tratando do longo prazo.
Havia a perspectiva de lançar o leilão de privatização do braço de distribuição da CEEE (a CEEE-D) em setembro. O cronograma segue?
A gente está trabalhando com o BNDES exatamente como antes. Não houve mudança no cronograma, até o momento. A decisão é de estarmos prontos nas datas que tínhamos planejado. A efetivação da operação dependerá de como estará a economia. Vai ter de ser feito um julgamento de oportunidades. Pode não ser possível, mas temos ainda cinco meses pela frente e muita coisa pode acontecer até lá.