15/04/2020 Estadão
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu nesta segunda-feira, 6, que os acordos individuais de redução de salário e jornada de funcionários de empresas privadas apenas terão validade após a manifestação de sindicatos. Na prática, o ministro criou uma nova etapa burocrática para que os acordos entrem em vigor.
A medida faz parte do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para evitar com que as empresas demitam durante o período da crise provocada pelo novo coronavírus. O ministro permite que os acordos individuais sejam usados pelos sindicatos para iniciar uma negociação coletiva da categoria. Se os sindicatos não se manifestarem, o acordo individual fica valendo.
“Tudo indica que a celebração de acordos individuais ‘de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho’, cogitados na medida provisória, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto na Constituição”, escreveu o ministro, que submeteu a decisão para referendo do plenário do STF. Ainda não há previsão de quando a Corte vai se debruçar sobre o tema.
Para Lewandowski, para se dar um mínimo de efetividade ao acordo, é preciso que os sindicatos sejam comunicados. “E a melhor forma de fazê-lo, a meu sentir, consiste em interpretar o texto da medida provisória, aqui contestada, no sentido de que os ‘acordos individuais’ somente se convalidarão, ou seja, apenas surtirão efeitos jurídicos plenos, após a manifestação dos sindicatos dos empregados”, concluiu Lewandowski.
O ministro frisou no despacho que a eventual inércia de sindicatos representará, na prática, uma “anuência” com o acordado pelas partes. Segundo o Estado apurou, dentro do governo, a avaliação era a de que a decisão de Lewandowksi “poderia ser pior”, como suspender dispositivos da medida provisória.
“A OIT (Organização Internacional do Trabalho) entende que o diálogo social tripartite, envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global”, destacou Lewandowski.
Negociação. O programa do governo federal prevê a preservação do valor do salário-hora dos trabalhadores e estabelece que as reduções de jornada poderão ser de 25%, 50% ou de 70%. Porcentagens diferentes dessas terão que ser acordadas em negociação coletiva.
Pelo programa, os trabalhadores que tiverem jornada reduzida ou contrato suspenso receberão da União um benefício emergencial. O programa ficará em vigor por até três meses, no caso da redução de jornada, e até dois meses, nas situações de suspensão de contrato. Todas as empresas podem participar, assim como empregadores domésticos.
A decisão de Lewandowski foi tomada no âmbito de uma ação movida pela Rede Sustentabilidade, que acionou o Supremo para suspender regras que autorizam a redução salarial e a suspensão de contratos de trabalho mediante acordo individual.
De acordo com o partido, caso as novas regras permaneçam em vigor, trabalhadores “aceitarão flexibilizar seus direitos em troca da manutenção de suas ocupações, razão pela qual os acordos coletivos não podem ser dispensados”.
Repercussão. Para Antonio Carlos Aguiar, especialista em Direito Trabalhista e sócio do Peixoto & Cury Advogados (autor dos livros “Negociação Coletiva do Trabalho” e “Advocacia Trabalhista”), a decisão impõe um “baixa desafio”.
“Deverá dificultar quem já fez o acordo individual, mas evitará que no futuro venha a ser discutida a validade constitucional desse artigo da MP. Não é a melhor decisão, para uma MP que não tem a melhor redação. Todavia, o momento vivido é de calamidade pública (não podemos nos esquecer disso). Daí porque avanços e recuos existirão a todo momento. Mais do reclamar, a hora é de inovar e se adaptar a mudanças constantes.”