04/05/2020 Ministério Público Federal
O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (28), Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, para suspender imediatamente o artigo 28 da Lei 13.988/2020. A norma elimina o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recurso Fiscais (Carf). O órgão, que integra a estrutura do Ministério da Economia, é responsável por julgar administrativamente, em segunda instância, os litígios tributários entre os estados e a União. A mudança legislativa deu-se no Senado, em 24 de março, quando houve a conversão em lei da Medida Provisória 899/2020, editada pelo Executivo, para renegociar dívidas com as Unidades da Federação.
O voto de qualidade no Carf é dado pelo presidente do colegiado, em casos de empate. Ocorre que, pela nova lei – que incluiu o artigo 19-E na Lei 10.522/2002 –, havendo o empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, a decisão passa a ser automaticamente favorável ao contribuinte. Como consequência, estima o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), a medida acarretará perda de créditos tributários de aproximadamente R$ 60 bilhões anuais.
Na ação encaminhada ao Supremo, Aras aponta a existência de inconstitucionalidade formal, por vício no processo legislativo. O motivo é a inserção, em lei de conversão de medida provisória, de matéria de iniciativa reservada e sem pertinência temática com o texto originário, por meio de emenda parlamentar. Por não guardar afinidade com a matéria inicialmente tratada na MP 899/2020, prossegue o procurador-geral, há violação do princípio democrático e do devido processo legislativo.
O chefe do Ministério Público da União chama a atenção para a discrepância entre a proposição da MP 899 e a lei aprovada pelo Congresso. Enquanto a primeira tratava da negociação extrajudicial de créditos tributários existentes e constituídos, o artigo 28 da Lei 13.988/2020 disciplinou aspecto procedimental do julgamento de processo administrativo, ou seja, tratou de um tema alheio ao objeto original da medida provisória.
Essa prática, conforme lembrou o PGR, passou a não mais ser admitida pelo Supremo desde o julgamento da ADI 5.127/DF, em maio de 2016, quando o STF entendeu não ser possível o que ficou conhecido como “contrabando legislativo”. Acrescenta Aras que, ao excluir o voto de qualidade, “o art. 19-E, incluído na Lei 10.522/2002 pela Lei 13.988/2020, interferiu indevidamente no desempenho de competências institucionais e na forma de atuação do Carf, órgão da administração pública direta federal”. O PGR destaca que o artigo 28 da Lei 13.988/2020 viola os artigos 1º, caput e parágrafo único; 2º, caput; 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “e”; e 84, inciso VI, da Constituição Federal.
Pedidos – O PGR requer ao Supremo Tribunal Federal a concessão, monocrática e sem a intimação dos interessados, de medida cautelar determinando a suspensão da eficácia da norma impugnada, a ser oportunamente submetida a referendo do Plenário. Em seguida, pede que se colham informações do Congresso Nacional e do presidente da República, e que se ouça a Advocacia-Geral da União (AGU). Ao final, postula que se julgue procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 13.988/2020.
Tramitação – Em 24 de março deste ano, por procedimento de deliberação remota, o Senado aprovou o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 2/2020, originário da MP 899. Em sua versão original, a MP disciplinava as circunstâncias em que o Fisco poderia negociar extrajudicialmente com seus devedores ou partes adversas, de forma a encerrar processos ou a evitar o ajuizamento de ações relativas a créditos públicos já existentes.
No entanto, durante o trâmite legislativo de conversão da MP 899 na Lei 13.988/2020, foi inserida matéria estranha ao texto original daquela proposição, com o escopo de estabelecer o fim do voto de qualidade no caso de empate nos julgamentos administrativos fiscais do Carf.
Para Augusto Aras, a discrepância temática entre o conteúdo original da MP 899/2020 e a disciplina inserida ao Projeto de Lei de Conversão 2/2020 por meio de emenda parlamentar configura, portanto, violação da separação de poderes, do devido processo legislativo e do princípio democrático.