24/06/2020 Imprensa Sindifisco-RS
O ex-governador e ex-ministro Tarso Genro, concedeu uma longa entrevista aos jornalistas jornalistas Heverton Lacerda e Luiz Augusto Kern (Lak) sobre os rumos do país nestes tempos de pandemia. Advogado, ex-governador do Estado, vereador do MDB na cidade de Santa Maria (em 1969), prefeito de Porto Alegre entre 1993 e 1996 e de 2001 a 2002, e ex-ministro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, da Educação (entre 2004 e 2005) e ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência (em 2006), Tarso disse no programa RS em Pauta, da RS Rádio, no último dia 18 de junho, que que o país vive uma situação atípica, com um processo de decomposição das instituições, mas com reação muito forte do Supremo Tribunal Federal.
Para ele, o desequilíbrio entre os Poderes, que considera uma forma absolutamente não convencional e anticonstitucional, gera uma insegurança jurídica, política e econômica muito grande no país, que deve levar muitos anos para retornar à normalidade. As causas desta situação, desse desajuste, “da instabilidade”, não são ancoradas somente na situação política presente, garante. Para Tarso, o presidente Bolsonaro não teria sequer condições emocionais para dirigir um país da complexidade do Brasil, muito menos um projeto político - na campanha eleitoral, ele teria somente um projeto de poder. “Esse projeto de poder se ancorou e foi sustentado pela grande mídia oligopólica, que, conjugado com determinados setores conservadores, deram fiança para ele, foram fiadores dele. Então, Bolsonaro se elege, governa, arruma uma base, uma sustentação parlamentar, mas sob condição de ter que fazer as reformas”, diz o ex-ministro e ex-governador.
Tarso Genro pondera que essas reformas estariam abalando profundamente a economia dos estados, atingindo profundamente as relações de intercâmbio Internacional que o Brasil tem e que deveriam continuar com todos os países, com diversos polos de poder econômico e militar do mundo. “E isso tudo foi agravado em função do negacionismo psicótico que se instalou no poder e que levou inclusive o presidente da República a se tornar um ‘médico sanitarista’ que vem a público recomendar remédios. Isso é a desordem completa do ponto de vista institucional, que não permitiu inclusive que a gente se aproximasse, que a oposição se aproximasse do governo para - em um momento de unidade nacional - enfrentássemos em conjunto, pelo menos, a questão da pandemia, já que as condições econômicas estão vinculadas a outros derivativos, a outras orientações políticas e a outro golpe de poder.”
Na sua visão, o que estamos vivendo é extremamente perigoso, mas não é o caos absoluto. Este, em sua opinião, ocorreria se Bolsonaro conseguisse neutralizar o STF e instalar uma ditadura unipessoal. “Eu acho que ele está perdendo rapidamente as condições de fazer isso. Então, nós temos que apostar numa saída democrática, por dentro da Constituição, e temos que, em algum momento, formar um grande governo de unidade nacional democrática, para reestabelecer duas coisas: o pleno funcionamento dos Poderes, com respeito e colaboração recíprocos, e a restauração de um mínimo projeto econômico, que dê conta dos elementos de pobreza mais brutais que nós seremos expostos depois desses episódios que estamos acompanhando. São duas questões-chave, não impossíveis de serem compostas.”
Tarso citou como exemplo o que foi feito em Portugal, quando aquele país estava à beira de uma crise semelhante, inclusive com movimentações fascistas nas ruas dirigidas por alguns grupos policiais. Segundo o ex-governador, eles fizeram um acordo, se reuniram e propuseram uma agenda positiva. “O que não se concordava, se retirava, e cada partido, cada força política, trataria dessas questões com os seus aliados em um momento adequado. O que foi convencionado foi preservar a qualidade do serviço público, seus direitos mínimos, ter um aumento real do salário mínimo, desenvolver um projeto estratégico para colocar Portugal em segurança e para estabelecer as condições de acolhimento ao turismo, atraindo capitais e turistas europeus”. Tarso argumenta que Portugal conta com um governo socialista juntamente com os demais partidos de esquerda, o qual reduziu o déficit público e se integrou de maneira mais harmoniosa e ainda mais correta na União Europeia. “Então, nós temos que compor esta agenda, que nos unifique e que deixe as nossas divergências estratégicas de lado, para que possamos atravessar esta fase e dar novamente um grau elevado de solidez à nossa democracia política, como está lá na Constituição de 1988.”
Quando perguntado se considera que Bolsonaro tem um projeto político que leva a um golpe fascista, Tarso é claro e diz não ter dúvidas disso. E vai além, afirmando que este é um dos movimentos mais perigosos que a hiperatividade política do presidente determinou: o ressurgimento do fascismo local. “Ele (Bolsonaro) não tem um projeto de Estado e nem um projeto de nação. Projeto de Estado ele colheu no ultraliberalismo, o projeto de nação ele buscou no Trump (Donald), que ‘mandou tomar cloroquina’ e depois esta foi proibida no mundo, incluindo Estados Unidos. Esse fascismo local tem que ter gestos em série rapidamente dramatizáveis para empolgar a sua base política e social e mantê-la de maneira uniforme, articulada”. Segundo Tarso Genro, recentemente saiu uma pesquisa que não teria sido rejeitada por nenhuma fonte política, nem por experts, que mostra que a base política do presidente Bolsonaro são as pessoas menos instruídas e mais pobres.
Tarso agrega ao raciocínio os entendimentos que o governo tem de como resolver os problemas, os quais se resolveriam, em sua visão, em fechar o Supremo, e assim ele tem agido. Tratamento das questões ambientais: “abre para boiada passar, queima tudo", e começa lá um novo ciclo econômico e político de desmatamento da Amazônia. Direitos Humanos: bandidos não tem direitos humanos, como se houvesse direitos humanos de bandidos e não bandidos. “Essas respostas rápidas, pontuais, elementares, compõem um certo tipo de fascismo, numa hiperatividade política que nos levam a esta situação. O fim desse processo todo foi o momento em que ele resolveu liberar o armamento geral do povo”, declara.
Concertação
Sobre um grande acordo nacional, Tarso diz que é preciso conceituar este entendimento. Ele cita a felicidade de sido introdutor, no início do Governo Lula, de uma palavra que considera nova no vocabulário político do Brasil: concertação, que vem de concerto, de orquestra, de harmonia. Ele trata o conceito como uma proposta de grande conciliação nacional das elites. “Quando eu falo em um grande acordo nacional, eu não estou falando que esse acordo vai incluir todo mundo. Ele tem que ter oponentes, se ele não tiver oponentes ele não vai ter identidade, e, se não tem identidade, não se vincula politicamente à base social que quer representar. Então, quando eu falo num grande acordo nacional, me baseio em três pontos fundamentais: restabelecimento e efetividades dos direitos sociais, para proteção dos economicamente mais frágeis do país; de uma integração econômica na globalização - através de uma cooperação interdependente com soberania, com uma unidade política, que tenha mais universalidade na luta contra a pandemia, que é um problema econômico, político, social e sanitário gravíssimo para o país -; e o restabelecimento da funcionalidade plena dos três Poderes constituídos”.
Tarso Genro propõe também que esse acordo inclua os conservadores, por considerar que há vários tipos de conservadores. Em seguida, teoriza, demonstrando que há os conservadores que são republicanos e os monarquistas. “Com os monarquistas, acho difícil algum tipo de acordo, mas o conservadorismo republicano pode sim conferir um traço de unidade, de composição, para enfrentar os problemas.”
Crise na educação
Com a queda do agora ex-ministro Abraham Weintraub, e a paralisia de dezenas de programas sociais e educacionais, Tarso Genro avalia que o não foi só a educação que decaiu no país. “O sistema educacional é um produto de todo um processo histórico e político e de conformação do Estado brasileiro, que comparativamente inclusive a alguns países da América Latina, como o Uruguai, começou aqui muito tarde. Além da nossa herança escravista, colonial, brutal, de 400 anos, nós temos também uma educação pública muito retardatária aqui no país. Começou muito tempo depois, por exemplo, da educação pública uruguaia. Esses dois fatores, e isso é apenas uma opinião, a falta de inclusão educacional combinada com a nossa tradição escravista, deixaram uma massa enorme de pessoas na deserção social, que são facilmente cooptáveis para qualquer tipo de atividade. Isso permitiu que se criasse uma clientela política submetida a esses impulsos emocionais mais diretos e que tivesse pouca capacidade de juízo sobre as suas lideranças, e aqui não estou falando em liderança de esquerda ou direita, estou falando de responsabilidade pública, que essas pessoas podem exercer, isso é mais verificável no Nordeste. Um exemplo concreto dessa questão é que, quando eu entrei no Ministério da Educação, apenas 22% dos jovens que saíam do Ensino Fundamental conseguiam chegar ao Ensino Básico.”
O ex-ministro petista declara, por isso, que o que ocorre na educação hoje no Brasil não tem paralelo na história do País, e se pergunta: “como a sociedade brasileira, as suas elites, mesmo as burguesas, as superiores, como é que elas aceitam um ministro da educação que tem essas características?”, relembrando que, mesmo os ministros da pasta da época da ditadura militar, passando pelos governos democráticos e depois da abertura política, depois da Constituição de 1988, todos eram pessoas sérias, que sabiam falar o português, que respeitavam o bem público”. “Agora, um cidadão lá que não é um educador, que é um analfabeto funcional, que não conhece a educação brasileira, que não conhece nada de história e é indicado ministro e fica lá por meses a fio. Então, não surpreende que, nesta mesma sociedade, um líder político como Bolsonaro possa ter sido eleito presidente da República”.
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