14/09/2020 Imprensa Sindifisco-RS
Apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no dia 3 de setembro, a reforma administrativa, que tramitará no Congresso Nacional na forma de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), altera pontos importantes do vínculo empregatício dos funcionários públicos, como, por exemplo, estabilidade, licença-prêmio, férias, aumentos retroativos, entre outros.
Antes de ser promulgada, a reforma precisa ser aprovada, em dois turnos, na Câmara dos Deputados por, no mínimo, 308 votos, e no Senado Federal, também em dois turnos, por ao menos 49 votos.
O auditor fiscal da Receita Estadual do RS Celso Malhani de Souza, vice-presidente do Sindifisco-RS, diretor da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), atualmente coordenando a Comissão Parlamentar do Fórum Nacional de Carreiras de Estado (Fonacate), tem acompanhado os diversos espaços de discussões sobre a pauta. Em entrevista especial para a equipe de Assessoria de Comunicação (Ascom) do Sindifisco-RS, a liderança do Fisco estadual fala sobre as primeiras impressões a respeito da proposta do governo federal.
Acompanhe!
Ascom Sindifisco-RS – Após essas rodadas iniciais de análise sobre as propostas do governo para a reforma administrativa, quais as primeiras impressões das entidades representativas do Fisco?
Celso Malhani – De fato, o governo surpreende com a apresentação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de número 32/2020, cujo conteúdo tudo faz, menos efetivamente uma “reforma administrativa”. De algo titulado de reforma administrativa se espera um conjunto de medidas propostas que encaminhe a um processo de aprimoramento da gestão/administração pública, ou seja, em última análise, a qualificação do serviço público prestado à sociedade, otimizando a gestão e a forma da prestação do serviço, bem como aprimorando qualidade e custos.
As entidades têm percebido que, ao contrário, o conteúdo da reforma encaminha apenas para a operação final de desmonte do serviço público no Brasil. Ela coloca os servidores públicos em situação de subserviência aos governos de plantão e, por fim, cria uma situação na qual o servidor público será obrigado a subordinar-se não às leis e regras republicanas, mas sim às ordens daqueles servidores de governos ocupantes dos cargos de liderança e assessoramento, que farão sua avaliação determinando sua permanência ou não no serviço público, pois seu vínculo de servidor será predominantemente por prazo indeterminado.
É evidente o caminho de aparelhamento do serviço público em favor das classes dominantes que permeiam permanentemente o poder no Brasil.
A reforma chega de maneira a despertar grande atenção da sociedade devido a grandes agressões diretas - em especial a servidores - a direitos como a estabilidade, mas não despertou a atenção pela inserção de um conjunto de novos princípios da administração pública na Constituição Federal (CF). Assim, passam a figurar como princípios da administração pública a imparcialidade, a transparência, a inovação, a proporcionalidade, a responsabilidade, a subsidiariedade, a unidade, a coordenação e a boa governança. Eles se juntam aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da subsidiariedade indica que nenhum órgão público deve fazer o que um órgão privado pode fazer melhor. Em resumo, é isso, e a inserção deste novo princípio vai mudar substancialmente a relação de prestação do serviço público no Brasil. O princípio da unidade - segundo o qual os orçamentos de todos os órgãos que constituem o setor público devem fundamentar-se, segundo uma única política orçamentária, e estruturarem-se uniformemente, ajustando-se a um método único - deixa bastante dúvidas sobre sua aplicabilidade no atual contexto constitucional. No mais, os novos princípios inseridos talvez tratem de mera redundância com atualização de linguagem de princípios já constantes da CF ou de questões implícitas.
Ascom Sindifisco-RS – Quais pontos merecem maior atenção por modificarem diretamente as carreiras do Fisco estadual?
Celso Malhani – Quanto à categoria do Fisco, aí abrangidas as três esferas - federal, estadual e municipal - compreendidos os cargos titulares do lançamento tributário, que têm sua definição constitucional de carreira específica, essencial ao funcionamento do Estado (inciso XXII do artigo 37 da CF) - e neste caso enquadra-se como carreira típica de estado para todos os fins previstos no texto - ainda que a proposta da PEC 32 tenha a pretensão de enfrentar a definição de cargo típico de Estado em nível de lei complementar, em nossa leitura, não pode contrariar o atual texto constitucional.
Nas demais disposições desestruturantes do serviço público contidas na proposta, em especial a questão do processo de seleção por concurso, está prevista a nomeação por período de experiência mínimo de 2 anos, mas não se menciona o período máximo de experiência que pode ser dez anos por exemplo. O texto assim proposto promove entre os participantes da experiência/treinamento a certeza de exclusão parcial do grupo, pois serão considerados os melhores escores e avaliações, após anos de período de experiência. Não é crível que a construção desta proposta tenha considerado, em termos de serviço público, qualquer paradigma aceitável para estabelecer este nível desumano de competição entre profissionais, que definirão suas vidas e seu futuro com base no conceito de qualificado e desqualificado. É possível imaginar como seria a convivência profissional e colaborativa nestes anos de experiência, todos sabendo que, ao final, uma parcela será simplesmente eliminada? Realmente, não encontramos paradigmas de serviço público no mundo para tal processo eliminatório e nem acreditamos que produza resultado saudável ou positivo. Ainda para as carreiras típicas de Estado, a proposta veda a realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive a acumulação de cargos públicos, mesmo durante o período do vínculo de experiência.
Ascom Sindifisco-RS – Que outros pontos o senhor destacaria para os filiados do Sindifisco-RS?
Celso Malhani – Não dá nem para pensar em esgotar o tema neste momento de leituras e reflexões iniciais sobre o conteúdo de uma proposta que a nada veio reformar, e que ainda demonstra ter apenas características desestruturantes da prestação do serviço público à sociedade, esta enquanto demandante de um serviço público prestado de forma republicana, com qualidade e correta definição de prioridades pelo Estado, que têm como fim maior o bem estar social de seu povo. Pensamos que, inicialmente, uma reforma administrativa viria proposta em bases científicas e com mecanismos de aprimoramento da prestação do serviço público e aprimoramento da gestão dos recursos humanos, materiais, financeiros e tantos outros. Mas, de fato, o que está aí representa uma simples proposta de destruição da estrutura democrática de prestação do serviço público e a imposição de meios de aparelhamento da máquina pública e, de quebra, apropriação da iniciativa privada da prestação do serviço público com a finalidade de saciar seu apetite ilimitado por lucros, desta vez entregando todas as atividades a esta.
Por exemplo, porque o governo deverá construir um hospital público para atender a sociedade menos aquinhoada se a iniciativa privada tem um hospital?
Pelo princípio da subsidiariedade, o governo deverá comprar as vagas do hospital privado local.
Esta é uma reflexão preliminar que espelha o nosso processo atual de aprofundamento que a matéria impõe.
Nesta segunda-feira, dia 14, Celso Malhani participou do programa RS em Pauta para dar prosseguimento ao debate sobre a reforma administrativa. O programa está disponível no site, aplicativo e redes sociais da RS rádio.