12/08/2021 Texto: Fenafisco
O Brasil atravessa a maior crise sanitária, social e econômica da sua história. Mais de meio milhão de brasileiros morreram pela Covid-19; 30 milhões estão desempregados ou subutilizados; e 120 milhões encontram-se em estado de insegurança alimentar, dos quais 20 milhões já padecem de fome agora.
A história econômica demonstra que em crises dessa magnitude, a tributação das altas rendas e riquezas são medidas necessárias. Hoje, instituições (como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE, por exemplo) e governos de países centrais (como os EUA, por exemplo) estão propondo a elevação dos impostos para os mais ricos e sobre os lucros extraordinários das grandes corporações para financiar serviços essenciais, “em uma crise que afetou de maneira desproporcional os segmentos mais pobres da sociedade”.
A carga tributária é elevada? Para quem?
A tributação progressiva no Brasil é imperativo civilizatório. É falso que a nossa carga tributária seja elevada para todos. É verdade que ela é elevada para os pobres, porque os impostos sobre o consumo representam quase 50% do total arrecadado (ante 17% nos EUA). Os ricos têm carga insignificante porque os tributos que incidem sobre a renda e a riqueza são baixos na comparação internacional: nos EUA, esses dois itens, em conjunto, representam 60% da arrecadação de impostos; no Brasil, apenas 23%.
A baixa tributação sobre renda e riqueza
A carga tributária sobre a renda, lucro e ganho de capital no Brasil é de 7,0% do PIB, patamar muito inferior à média da OCDE (11,4% do PIB) e a verificada em países como Itália (13,1% do PIB) e Canadá (15,4% do PIB), por exemplo. Nos países capitalistas centrais, o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) é o pilar central do sistema tributário. A arrecadação do IRPF no Brasil (2,5% do PIB) é cinco vezes menor que a arrecadação do IRPF nos EUA (12,5% do PIB), por exemplo. Isso ocorre, sobretudo, porque somos párias internacionais em dois quesitos: primeiro, porque não tributamos a distribuição de lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas das empresas; segundo, porque a alíquota máxima do IRPF (27,5%) está muito abaixo do patamar dos países centrais (entre 40% e 60%) e mesmo de latino-americanos (40% no Chile, por exemplo). Por conta dessas injustiças, os endinheirados têm 70%, no mínimo, da sua renda isenta de tributos.
A proposta dos partidos da oposição
O cerne da reforma tributária no Brasil é a ampliação da tributação das altas rendas e riquezas e a redução da tributação do consumo. Esse é o âmago da proposta de reforma protocolada no Congresso Nacional pelos seis partidos da oposição (PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e Rede). Trata-se da “Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável” formulada com base em estudos elaborados por entidades de auditores fiscais (Fenafisco e Anfip) e organizações da sociedade civil (Oxfam Brasil, Conselho Federal de Economia, dentre outras).
O ilusionismo da proposta do governo de reformar o Imposto de Renda
À primeira vista, a proposta de reforma do Imposto de Renda apresentada pelo governo (PL n° 2337/21) representaria conquista do campo popular, na medida em que incorpora bandeiras do campo progressista: isenção do IRPF para camadas de baixa renda; revogação das excêntricas figuras da “isenção dos lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas” e da “dedução dos juros no lucro tributável sobre o capital próprio”; e diversas medidas de combate à elisão e à evasão fiscal.
Proposta regressiva e inconstitucional
Entretanto, a ilusão logo se esvai. Paradoxalmente, o Projeto de Lei n° 2337/21 reduz ainda mais as receitas e a participação relativa do Imposto de Renda na arrecadação total. Além disso, concede tratamento privilegiado às rendas do capital e às pessoas físicas com altas rendas, aprofundando a inconstitucionalidade da tributação e a vergonhosa regressividade do sistema. A queda da receita do Imposto de Renda agravará a questão fiscal, restringirá a ação do Estado, ampliará o desequilíbrio federativo (redução dos recursos transferidos a estados e municípios) e incentivará a “pejotização” do mercado de trabalho.
No entanto, o relatório do relator propõe redução da alíquota do IRPJ dos atuais 15% para 2,5%, a partir de 2023. Estima-se que esse corte radical implicará em perda de receita superior a R$ 90 bilhões (2023), aprofundando a injustiça tributária, a crise fiscal, o desequilíbrio federativo e a “pejotiozação” do mercado de trabalho;
Em suma, o projeto do Ministério da Economia apresenta insuficiências graves que limitam a suposta progressividade pretendida e conserva a inconstitucionalidade do sistema tributário, pois continua a não observar os princípios da “igualdade material tributária” e da “capacidade econômica do contribuinte” previstos na Constituição da República.
É inaceitável o “rolo compressor” do Congresso Nacional
Não se pode aceitar que não haja debate amplo e plural sobre um tema tão crucial para o Brasil que é um dos países mais desiguais do mundo. Nesse sentido, incompreensível a aprovação, pela Câmara dos Deputados, de requerimento de urgência para a proposta de reforma do Imposto de Renda, o que permite que a proposta seja votada em plenário imediatamente.
A reforma do imposto de renda deveria expressar a gravidade da crise e o anseio da sociedade brasileira
O governo e o parlamento brasileiros deveriam se colocar à altura da crise atual e pensar alternativas para o grave cenário pós-Covid, inspirando-se na experiência de governos liberais (EUA, por exemplo) e instituições do mainstream das finanças internacional (como o FMI, o Banco Mundial e a OCDE, por exemplo), que propõem aumentar os impostos para os mais ricos e para as empresas, para financiar programas sociais e reativar a economia.
O governo e o parlamento brasileiros também deveriam estar em sintonia com o anseio da sociedade. Um dos achados da pesquisa “Nós e as Desigualdades” (Oxfam Brasil /Datafolha) é que “84% dos brasileiros concordam com o aumento dos impostos para pessoas mais ricas para financiar políticas sociais no Brasil”. O estudo também mostra que quase nove em cada dez pessoas acreditam que não há progresso nacional possível, se não se reduzirem as desigualdades.