08/07/2011 JORNAL DO COMÉRCIO
Governador sanciona na próxima semana a lei que limita pagamento a 1,5% da receita
Fernanda Bastos
Tricoteiras seguem mobilizadas, mas temem indefinição nos prazosAs novas regras para o pagamento das Requisições de Pequeno Valor (RPVs) - precatórios de até 40 salários-mínimos - devem ser sancionadas na próxima semana pelo governador Tarso Genro (PT). E trazem preocupação, ao invés de esperança, a quem tem direito a receber do Estado.
O projeto de lei do Executivo aprovado pela Assembleia Legislativa na semana passada limita em 1,5% da receita corrente líquida do Estado o pagamento dos pequenos precatórios e também modifica os prazos da administração estadual para desembolsar os valores.
Dos 60 dias de espera previstos na lei antiga, o Executivo estabeleceu o prazo limite de 30 dias para o pagamento das dívidas no valor de até sete salários-mínimos, com revisão de correção inflacionária se houver atrasos.
Ainda pela proposição, as dívidas entre sete e 40 salários-mínimos terão o prazo de 180 dias para serem pagas, também com previsão de correção se o prazo não for cumprido.
Ou seja, na prática, todas as RPVs deveriam ser pagas em seis meses, a contar da publicação da lei. Entretanto, a limitação a 1,5% da receita corrente líquida do Estado anual fará com que os prazos não sejam cumpridos. Até por isso, a preocupação em estipular uma atualização monetária nos valores dos papéis.
A estimativa da Secretaria Estadual da Fazenda é de que 30 mil ações estejam em curso em um total de dívidas que beira os R$ 5 bilhões aos cofres estaduais, incluindo todos os precatórios.
E o número pode aumentar, já que há milhares de processos referentes à Lei Britto tramitando na Justiça.
Na última década, o valor pago em RPVs cresceu ano a ano. Em 2010, o Estado desembolsou R$ 498 milhões, mais que o dobro do valor pago em 2009 (R$ 220 milhões). Ou 250 vezes mais do que o R$ 1,8 milhão gasto em 2005.
A previsão para 2011 era de que o Executivo seria obrigado a desembolsar R$ 800 milhões. Com a nova lei, o valor deve ficar mais baixo, em torno de R$ 500 milhões - mesmo com a limitação de 1,5% deverá ser o maior dos últimos anos. O Executivo optou pela limitação dos recursos destinados a RPVs para alcançar o que o secretário da Fazenda, Odir Tonollier (PT), chama de "previsibilidade".
Mas a previsibilidade do Executivo não chega aos precatoristas, que não têm certeza de quando irão receber suas cobranças.
A pensionista Eny Lima da Silveira busca na Justiça desde 1998 cerca de nove salários-mínimos. O prazo de 60 dias para o recebimento dos valores foi estendido diversas vezes, mas ela conta que vez ou outra seu advogado reacende a esperança. "Tivemos uma reunião em que me prometeram pagar em 60 dias, e isso já faz dois meses. Não é certo", reclama.
Eny faz parte de uma legião de cobradores do Estado, que lutam para receber em vida os valores devidos. Aos 80 anos e cansada de esperar, ela resolveu partir para a ação, através do movimento das tricoteiras do Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do Rio Grande do Sul (Sinapers). O tempo de espera pelos valores aparece no material em tricô que produzem para doar a entidades.
"A situação é braba. Tenho que arrumar minha casa, estou com problemas de saúde e gasto muito com remédios. A gente perde a esperança, mas precisa tanto que não desiste", relata.
O juiz Cláudio Luís Martinewski, que coordenou, até 2010, a Central de Conciliação e Pagamento de Precatórios do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, explica que, apesar de o Estado ser obrigado a desembolsar os valores dentro de 60 dias, o prazo não tem sido cumprido por conta do crescente número de ações, que se perdem na burocracia da administração estadual.
"O Estado deveria ser intimado a pagar e efetivar esse pagamento em até 60 dias. Só que pela própria burocracia e estrutura do Executivo, às vezes eles acabam pelo volume de processo levando mais de 60 dias", afirma.
Embora a promessa do Executivo seja de diminuir a fila de espera e aumentar o número de pagamentos, Martinewski acredita que as novas regras possam dificultar ainda mais a obtenção dos valores.
"Primeiro, está mexendo num prazo de 60 dias, o que já tem uma certa gravidade. Mas tem um segundo grau de gravidade, porque ele limitou o valor. Hoje não tem limite. Pedindo uma ordem de sequestro, o juiz manda sequestrar recursos, independentemente de onde esteja o valor no orçamento. Ele está limitando, dizendo o seguinte: para RPVs eu só vou destinar 1,5% e se tiver mais do que isso para um ano, vão ter que esperar para o outro ano", argumenta.
"Chamamos isso de moratória, que é como ter um prazo de 60 dias para pagar uma conta em uma loja, aí eu digo que não será mais em 60 dias, nem tem um prazo, porque tudo que ficar acima de 1,5% vai ir para uma nova fila", alerta Martinewski.
Entidades questionam constitucionalidade do projeto
As novas regras para as RPVs foram aprovadas sob um manto de incerteza dos cobradores, que acompanharam a controvérsia por conta da reclamação das entidades de servidores ativos, aposentados e pensionistas, que apontavam inconstitucionalidade no projeto aprovado pela Assembleia Legislativa.
O juiz Cláudio Luís Martinewski também destaca que um artigo no texto que será sancionado pelo governador estabelece tratamento diferenciado para quem recorrer nas instâncias federais. "O mais grave de tudo é que diz que essa lei não se aplica à Justiça Federal, à Justiça Federal do Trabalho e aos juizados federais especiais. Está criando uma distinção entre os gaúchos que demandarem na Justiça estadual", aponta.
Membro da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Martinewski defende que a medida é inconstitucional e que poderá ser questionada no próprio processo de pedido da RPV, como prometem fazer as diversas entidades de servidores, como o Sinapers e o Cpers Sindicato.
O juiz sustenta que a matéria de precatórios está tratada na Constituição Federal e que o Estado tinha um prazo de até 180 dias depois da publicação da Emenda Constitucional 62 para limitar o valor do orçamento destinado para quitar as dívidas.
"Não existe poder ou competência para o Estado legislar. Em tese, até poderia fazer isso, mas desde que fosse o Congresso Nacional, a Assembleia não poderia ter feito. A única coisa que a Constituição prevê que o Estado faça em relação a RPVs é determinar o valor, mas ele perdeu o prazo constitucional que poderia legislar."