05/12/2011 JORNAL DO COMÉRCIO
Guilherme Kolling e Adão Oliveira
“O governo Tarso é um prisioneiro satisfeito e o de Dilma é rebelde”O presidente estadual do PMDB, Ibsen Pinheiro, avalia que o PT avançou ao tornar-se mais moderado após chegar ao poder. Mas aponta que houve um exagero nesta mudança, que inclui uma busca irrestrita de apoios. O peemedebista entende que os governos do Estado, com Tarso Genro (PT), e federal, comandado por Dilma Rousseff (PT), estão prisioneiros de um processo de aparelhamento do Estado. “As corporações se apropriaram do processo decisório”, aponta. Para ele, falta “confrontamento para compatibilizar o interesse geral ao interesse corporativo”. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o peemedebista reitera que vai deixar o comando do seu partido, em março, por razões pessoais e desconversa ao falar sobre 2012. “Não ‘carto’ nem descarto (ser candidato nas eleições pela prefeitura de Porto Alegre).”
Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação sobre os governos de Tarso e de Dilma?
Ibsen Pinheiro - Os dois estão prisioneiros de um aparelhamento do Estado, com as corporações se apropriando do processo de decisão. Falo de “corporação”, no sentido de trabalhadores, empregadores. O governo Tarso é um prisioneiro satisfeito. A criação de CCs é sintoma do aparelhamento do Estado... O PT desenvolveu uma virtude no governo, que foi a moderação - o partido radical era para ganhar a eleição. Mas exagerou nessa moderação, nas alianças. Não limitou esse mecanismo.
JC - Como?
Ibsen - Está numa conduta que estou chamando de “Arenização” (relativo à Arena, partido de sustentação do regime militar), que é de atrair a todos, convoca inclusive a oposição para ser governo. Canoas é um exemplo. Todos partidos estão no governo. Tem um vereador de oposição, que foi escolhido pelo prefeito (Jairo Jorge, PT). Esta “Arenização” é a face mais recente do PT.
JC - Mas o governador Tarso apontou, por exemplo, que o PMDB é oposição aqui no Estado.
Ibsen - “Arenização” é isso: escolher não só a situação, mas também a oposição. Isso é típico da apropriação do Estado. Dizer quem quer na oposição ao governo. Isso está ocorrendo no Estado e no plano nacional. Só que a presidente Dilma está dando sinais de reação.
JC - Quais são esses sinais?
Ibsen - Algumas mudanças ministeriais, declarações indicando resistência a isso, sobretudo, a falta de carinho pelas corporações - aquele carinho que o presidente Lula tinha. O governo Dilma é prisioneiro rebelde das corporações.
JC - O senhor pode conceituar quem são essas corporações
Ibsen - Vou dar dois exemplos: Fiesp e CUT, uma de empregadores e uma de empregados. E tem as corporações regionais. Por exemplo, o governo federal não financia a alteração do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e dos Municípios (FPM), que devem ser atualizados. Com isso, diminuiria os privilégios da destinação anterior. Então, as corporações regionais se movem contra essa mudança. E contra as mudanças da reforma tributária.
JC - E aqui no Estado?
Ibsen - Vou exemplificar: indústria, comércio, agricultura - as corporações se mobilizam e o governo é prisioneiro delas. Não dá para atender a todas, porque o universo é 100, as reivindicações são 1000. Mas o interesse geral da sociedade inclui setores desorganizados, que não têm voz, sindicato nem ONG. E quem fala por eles? Só uma instituição pode: a instituição política. Por isso ela está na mira das demais, que a estão patrulhando. Então, está faltando confrontamento para compatibilizar o interesse geral ao interesse corporativo. Porque o corporativo é legítimo, só não deve ser preponderante. E vejo, no governo Dilma, sinais de resistência, quando toma atitudes que contrariam a lógica da corporação. O salário-mínimo foi um exemplo.
JC - Passando ao PMDB, por que o senhor resolveu deixar a presidência da sigla no Estado?
Ibsen - Só por razões pessoais. As razões políticas só me deram bons resultados. Até disse que tenho duas profissões e nenhum trabalho. E gosto da atividade profissional. Então, retomei o projeto que eu tinha para quando saísse da Câmara dos Deputados: voltar para a atividade profissional.
JC - E a tese de que o senhor ficaria se tivesse consenso no PMDB, mas um setor do partido, ligado ao deputado estadual Marco Alba, fez restrições...
Ibsen - Não, isso nunca aconteceu. Marco Alba foi um dos que insistiram para eu continuar...
JC - O PMDB não está disperso? Por exemplo, no congresso do partido em Porto Alegre havia uma faixa: “Sartori governador em 2014”. Aí, o deputado Edson Brum cobrou uma faixa com “Mendes Ribeiro governador”...
Ibsen - Isso tem grande visibilidade e pouca importância. Não é divisão, é disputa. Mais do que natural, é obrigatória, é salutar. Só no facismo se pode imaginar não ter isso. Como não ter disputa para (o candidato a) governador?
JC - Mas nesse momento e aberta assim?
Ibsen - Mas é assim mesmo. É aberta. E pode ter outros nomes...
JC - Nelson Jobim?
Ibsen - É um belo nome. Tem o (ex-governador Germano) Rigotto, o (ex-prefeito José) Fogaça. Então, isso não faz mal nenhum. O que faz mal é quando a divergência luta pela exclusão das partes: “Pô, só eles resolvem. Nós estamos fora”. No PMDB gaúcho não temos isso. Temos unidade absoluta.
JC - Em quê?
Ibsen - Somos oposição ao governo do Estado. Temos consciência de sermos um partido nacional. Quando assumi (o comando do PMDB gaúcho), convidei o vice-presidente Michel Temer (PMDB) a reunir-se com a executiva. Em relação ao governo federal, fui a Brasília para tratar do Código Florestal. Contribuí para que unanimemente votássemos numa posição diversa da do governo. Pelo conteúdo, não por causa do governo. Já na questão do salário-mínimo, o PT se dividiu, e achamos que a presidente Dilma cuidou bem da questão. Então, o conteúdo é o que conta. E esse tipo de construção faz com que convivamos com o PMDB nacional. Não quer dizer que vamos adotar os métodos de todos os seus figurantes nacionais. Mas o conteúdo, vamos examiná-lo.
JC - Quem o senhor acha que vai ser o sucessor do senador Pedro Simon como líder máximo do PMDB gaúcho?
Ibsen - Para ser presidente do partido existem regras, eventualmente, para ser governador, também. Agora, liderança não tem regras. Esse tipo de figura não se adivinha. Pode ser até alguém que não tenha nenhum grande nome hoje. Vai se credenciando... As crises destroem alguns e vão se gestando outros. Então, não posso dizer quem vai ter a dimensão de Simon. Pense que Simon nunca foi um aparelhador do partido, nunca se manteve pela capacidade de somar votinhos. Ficou acima de disputas internas para ser um líder de todos. Não é fácil aparecer outro.
JC - E as eleições de 2012 em Porto Alegre?
Ibsen - O PMDB está na administração por um acordo que nasceu na urna com a eleição de Fogaça. Mas fazer projeção é difícil porque não depende só do PMDB. Não podemos escolher um caminho e desconsiderar o caminho do PT, PDT ou PCdoB. Fortunati convidou o PT para participar da administração. Se isso tivesse ocorrido, estaria nascendo uma coligação PT-PDT. O PT tendo candidato próprio, o outro polo está se formando em torno do prefeito, e o caminho alternativo é o da Manuela (d’Ávila, PCdoB), cuja avaliação é difícil de fazer porque é um grande nome, mas uma estrutura partidária muito pequena. Então, essas hipóteses amarram os partidos uns aos outros. O PT aqui é adversário. PMDB e PT - em relação ao governo do Estado e prefeitura da Capital - fazem Grenal. Não se misturam. Há sinais de que o PT terá candidatura própria. Mas conheço petistas que não tem tanta certeza disso.
JC - O PMDB terá candidato a prefeito ou a vice na Capital.
Ibsen - Se a coligação atual for mantida, o PMDB é o primeiro da lista para uma aliança com Fortunati pela razão histórica. Se a coligação não se mantiver, acho que o PMDB vai ter candidatura própria.
JC - E o senhor descarta se candidatar a prefeito ou vice?
Ibsen - Eu não “carto” nem descarto.
JC - Não descarta concorrer?
Ibsen - Não carto nem descarto - tem que ser junto.
JC - Na presidência do PMDB, com foi o trabalho pela unidade?
Ibsen - Em sete meses (de abril a outubro), a executiva rodou 25 mil quilômetros, foram 26 encontros regionais abrangendo os 497 municípios do Estado. Todo o partido veio para essas concentrações - dirigentes, delegados, vereadores, prefeitos. E além dos 26 encontros do PMDB Que Eu Quero, houve mais 36 reuniões espontâneas, nas quais a executiva compareceu. Em Candelária, por exemplo, tinha um churrasco com 50 pessoas, cada uma pagando a sua conta. A diferença de quem vai a um churrasco pagando a sua conta e de quem vai carregado num ônibus é um abismo. A interação é absoluta, quem fala percebe na hora isso. Isso produziu a unidade orgânica. Tínhamos produzido uma unidade de lideranças na convenção (em 2010). E a verticalização foi pela participação da base partidária.
JC - E isso se mantém?
Ibsen - Espero que sim. Mas isso não se congela, é preciso ter manutenção, a base tem que se sentir participante, definidora dos caminhos. Nessa série O PMDB Que Eu Quero, a gente tinha dois objetivos: a unidade orgânica e a formulação de objetivos, das questões políticas. Lembrei que em 1979, o PMDB, além de ser minoria, enfrentava censura da imprensa, cassações de mandatos e tinha que se manter o jogo político, senão fortaleceria o regime (militar). Ali o PMDB lançou uma bandeira: a anistia. A direita dizia que era uma provocação ao regime militar. E a esquerda dizia que era um pedido de perdão humilhante. O PMDB manteve. Depois, lançou a bandeira da Constituinte, também combatida pelos dois lados: “O PMDB é linha auxiliar da ditadura”. E a direita dizia: “Não, isso aí é contestação”. E a terceira bandeira foi a da eleição direta. E assim o partido minoritário, sem voz, com censura da imprensa, com ditadura e ameaça de violência, arrastou o Brasil. Então, é preciso formular com correção um caminho que corresponda a uma necessidade real e que tenha uma viabilidade. Que tenha amplitude, mas que não seja genérico a ponto de ser unânime. O PMDB teve a noção disso naquela ocasião. Sustentamos agora que o PMDB tenha esse papel.
JC - Um exemplo desse tipo de proposta foi a Emenda Ibsen, da partilha dos royalties do petróleo. Qual sua avaliação do encaminhamento que foi dado?
Ibsen - O aspecto principal foi a tomada de consciência de todo o País da necessidade de uma distribuição justa do dinheiro público. A segunda batalha, que já está vencida, é a jurídica. Ninguém tem mais dúvida da constitucionalidade, especialmente depois que o presidente (Lula) vetou e não evocou a inconstitucionalidade. Ele vetou por contrariedade ao interesse público.
JC - E o terceiro ponto da batalha pela divisão dos royalties?
Ibsen - É o mais difícil, que é o político. E não se trata de estarem ali 25 estados contra dois. Um desses dois é o Rio de Janeiro - talvez o segundo do País em capacidade econômica, mas o primeiro em capacidade de comunicação. A começar que é a sede da principal emissora de televisão do País. Esses fatores tornam difícil o enfrentamento. Olha o governo federal querendo adiar: é típico! Não tem uma solução, empurra com a barriga.
JC - O veto será derrubado pelo Congresso Nacional?
Ibsen - Só não será derrubado se não for apreciado, o Rio de Janeiro tem muito peso entre as lideranças. Mas aí vai judicializar esse debate, porque não colocar o veto em apreciação é uma violação constitucional e regimental... O importante é que isso é uma batalha da guerra. A guerra de uma reforma tributária menos concentradora da receita. Essa é a questão maior.
JC - Que outras questões de fundo poderiam ser postas?
Ibsen - Uma matéria que está radicalizada, o meio ambiente. Parece que não há alternativa entre preservação e devastação. Então, o PMDB procurou cunhar uma expressão da sua luta que é “fazer uma lei ambiental junto com a legislação agrícola”.
Perfil
Ibsen Valls Pinheiro nasceu em São Borja e tem 76 anos. Formado em Direito pela Pucrs, atuou como advogado, procurador de Justiça e jornalista. Começou sua vida política aos 14 anos, na juventude comunista. Foi militante do Partido Comunista Brasileiro até os 22 anos. Como o PCB era ilegal, sua primeira filiação partidária oficial foi em 1966, no MDB, a convite de Pedro Simon. Permanece até hoje no partido, pelo qual foi eleito vereador de Porto Alegre (1977-79), deputado estadual (1979-82) e deputado federal em quatro legislaturas. A primeira, de 1983 a 1986. Foi reeleito, atuando como parlamentar constituinte. No mandato seguinte, presidiu a Câmara dos Deputados em 1991 e 1992, tendo ocupado interinamente a presidência da República em 20 de novembro de 1992. Em 1994, foi cassado. Voltou à vida pública em 2004, quando se elegeu vereador de Porto Alegre. Permaneceu dois anos no Legislativo municipal (2005 e 2006) e se candidatou à Câmara dos Deputados. Retornou ao Congresso Nacional pelo voto. Não disputou a reeleição, mas assumiu a presidência do PMDB no Rio Grande do Sul em dezembro 2010. Fica no cargo até março do ano que vem.