16/07/2012 JORNAL DO COMÉRCIO
Fernanda Bastos
Completados dois meses após o fim do prazo para os órgãos públicos se adequarem à Lei de Acesso à Informação, a avaliação do presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Cezar Miola, é de que ainda há necessidade de campanhas institucionais para esclarecer a população sobre os benefícios da norma. Para Miola, um dos efeitos do desconhecimento da população sobre o conteúdo da lei e seus benefícios é a pouca demanda para os órgãos. O TCE recebeu 68 pedidos até sexta-feira, número muito aquém do esperado pelo tribunal, que se mobilizou para se adequar às exigências desde antes da aprovação da lei no Congresso Nacional.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Miola ainda comenta a polêmica sobre o projeto de lei de autoria do TCE que eleva o valor das multas aos prefeitos que cometerem ilegalidades. Além de argumentar que o processo não visa a tratar com excesso de rigor os gestores municipais, Miola ressalta que, embora o TCE invista na qualificação dos prefeitos, o caráter pedagógico da multa é importante para evitar más condutas. O presidente do TCE também explica o papel da Corte diante das suspeitas de irregularidades nas licitações para concessão de serviços de água e esgoto.
Jornal do Comércio – Que avaliação faz da Lei de Acesso à Informação, que completou dois meses de vigência?
Cezar Miola - Em relação à transparência ativa, estamos muito tranquilos porque tudo que a lei demanda, e além dela, temos procurado fazer. Em relação às demandas que poderíamos receber, existem algumas coisas que precisam ser ditas. Primeiro, embora a própria lei preveja o desenvolvimento de campanhas institucionais para difundir o conteúdo da lei e seus objetivos, até hoje não vimos nenhuma movimentação nesse sentido. Costumo dizer que há muita despesa pública em publicidade institucional ou propaganda, mas até agora não vi nenhuma campanha de conscientização do cidadão acerca das formas de acesso. Aqui no tribunal, procuramos fazer da melhor forma possível, instituímos o serviço de atendimento ao cidadão (SAC).
JC - Mas será que a população entende o que a lei representa e como deve buscar os dados?
Miola - Talvez não esteja entendendo porque não está informada. Procuramos difundir ao máximo com as ferramentas das quais dispomos. O TCE tem feito todo o esforço para que o tema seja colocado em debate. Participamos de eventos, temos procurado cumprir com esse papel. Acho que estão faltando campanhas institucionais para que o cidadão seja sensibilizado e conheça quais são os documentos e informes que ele pode obter e a quem ele deve pedir. Considero ainda escassas as demandas. No TCE, tivemos 68 pedidos formalizados até agora, mas imaginávamos que poderia haver um número maior.
JC – O que pode ser feito para envolver mais as pessoas?
Miola - Há, talvez, um componente cultural e histórico, que produz uma espécie de patrimonialismo em relação à apropriação da informação. Portanto, não se desenvolveu uma mentalidade de participação e diálogo. Essa lei vem propiciar uma relação de diálogo do cidadão com a administração e vice-versa, sobretudo com a transparência ativa, oferecendo informações, dizendo para o cidadão aquilo que precisa ser dito nos critérios da lei. Também se tem valorizado muito a divulgação dos vencimentos e das remunerações dos servidores públicos, o que consideramos importante, mas esse é só um ponto da lei. O conjunto de regulações que a lei estabelece é muito abrangente. A possibilidade de informações sobre todas as despesas, licitações e receitas dá uma dimensão extraordinária para essa lei. Então, é muito importante que o cidadão possa participar desse processo. Defendo que é essencial um esforço grande de todos os Poderes e órgãos para divulgar o conteúdo da lei e o que ela propicia para o cidadão. O que estou dizendo não significa qualquer tipo de desalento, sou entusiasta dessa lei. Mas temos que olhar sob uma perspectiva de processo. Como são muitas décadas de aprisionamento das informações e de dificuldade de acesso, precisamos trabalhar a conscientização.
JC - A propósito da divulgação dos salários, como avalia essa polêmica?
Miola - Tivemos uma reunião de natureza administrativa em maio, e o TCE decidiu que adotaria os critérios estabelecidos pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que naquele momento havia indicado que faria a divulgação dos dados. Essa é a posição institucional do TCE em relação a essa matéria. Temos procurado conversar com todos os Poderes e órgãos para adotar procedimentos, na medida do possível, comuns. Estamos numa época de turbulência em relação a esse assunto quanto às interpretações que o próprio Judiciário tem dado. No Rio Grande do Sul, por exemplo, está prevalecendo essa decisão da Justiça que determinou a retirada do ar dessas informações.
JC – Os servidores têm razão em recusar que seus nomes sejam divulgados?
Miola - Entendo que há uma argumentação legítima, num sentido e no outro. Então, por isso, o ideal seria que tivéssemos uma decisão definitiva em caráter jurisdicional do STF que espantaria qualquer dúvida. Estamos acompanhando a posição do Tribunal de Justiça do Estado, que é outro aspecto a ser ponderado também.
JC – O TCE enviou à Assembleia projeto que eleva as multas aos prefeitos, mas os deputados, pressionados pela Famurs, estão postergando o debate.
Miola - Houve argumentos no sentido de que esse projeto teria um vício por incidir em inconstitucionalidade, ou seja, o tribunal não poderia propor essa iniciativa. Não temos nenhuma dúvida e há convicção absoluta quanto a sua constitucionalidade, tanto que esse projeto altera a lei orgânica do tribunal. A nossa lei orgânica foi encaminhada ao Legislativo pelo TCE, então, estamos alterando uma lei cuja iniciativa já foi daqui. O que discutimos e respeitamos é o debate quanto ao mérito, no que a Assembleia tem plena autonomia para decidir a respeito, aprovar ou rejeitar. E temos tido um dialogo bastante produtivo com o relator da matéria, o deputado Raul Pont (PT).
JC - O presidente da Famurs recém-empossado, Ary Vanazzi (PT), também sinalizou que tem a intenção de negociar com o TCE.
Miola - Ficamos de agendar uma reunião para tratar desse assunto. Sempre estivemos abertos e dispostos a dialogar. É importante dizer que a Farmus representa o municipalismo, mas esse não é um projeto só para elevar a multa aos prefeitos, mas ao conjunto dos gestores públicos. O projeto vai muito além do aumento da multa. Primeiro, temos hoje as menores multas aplicadas no Brasil pelos tribunais de contas. O máximo no TCE do Rio Grande do Sul é R$ 1,5 mil. Nenhum tribunal aplica valores tão baixos no País. Então, havia uma necessidade imperiosa de atualizar esses valores. Fazemos essa defesa dentro de parâmetros de proporcionalidade, de acordo com a gravidade das infrações, a reincidência ou não. E o projeto contempla a possibilidade de responsabilizar os chamados agentes subordinados e outros gestores que participaram do processo. Continuamos dialogando para que se construa uma proposta que vá ao encontro do interesse público, da possibilidade de se sancionar quando efetivamente caiba. Aqui, em cerca de 50% dos processos, o tribunal nem aplica multa, porque temos critério. Ela é reservada justamente para aquelas situações em que há uma infração de fato. Mais recomendamos e determinamos correções do que punimos. Confiamos que esse projeto vai ser examinado sob essa perspectiva também.
JC – Há uma reclamação recorrente dos prefeitos de que o TCE é mais rigoroso com os gestores municipais do que com os estaduais.
Miola - Respeito essa observação, mas, na verdade, não é dessa forma que o TCE procede. O que o tribunal leva em conta são as diferenças e particularidades de cada gestor e órgão fiscalizado. A maioria dos casos em que não aplicamos multa é da área municipal, porque órgãos com pequenas estruturas incidem em deficiências de natureza formal. Se fossemos aplicar formalmente os critérios previstos em lei, teríamos multa na grande maioria dos processos. Então, o tribunal leva em conta essa realidade, e, em relação aos órgãos da administração estadual, por vezes, acontece isso. Proporcionalmente, há mais multas na administração estadual do que na municipal, segundo os dados. É importante salientar que, proporcionalmente, há mais multas na administração estadual do que na municipal. Em média, próximo de 50% dos processos em municípios nem há multas. E, no caso dos legislativos, esse número vai para 60%, porque eles normalmente têm um número menor de falhas. Em 2009, houve a aplicação de multas na área estadual em 83% dos processos e, na área municipal, em 52%. Em 2010, na área estadual, foram 70% e, na municipal, 54%. Em 2011, houve uma pequena inversão: área estadual 57% e área municipal 65%. Isso mostra bem no triênio que não há esse tipo de excesso, pelo contrário, a aplicação maior é em órgãos estaduais. Isso em termos percentuais, mas o numero de órgãos estaduais é muito menor. Na administração estadual são 94 órgãos e na administração municipal, 1.153. O fundamental é essa perspectiva de analisar cada situação e cada caso concreto à luz das suas peculiaridades e características.
JC - Outra crítica é que o TCE estaria preocupado em punir antes de educar.
Miola - Antes de sancionar, fazemos o papel de orientador intensamente. O nosso grande foco de treinamento e capacitações são os agentes políticos dos municípios. No Rio Grande do Sul, temos muitos problemas, sobretudo no que diz respeito ao controle interno dos municípios, por isso temos procurado estimular a sua organização, apontar nas auditorias quando ele não está estruturado. E temos que valorizar o sentido pedagógico da multa. A perspectiva de uma sanção mais elevada leva à tendência que haja uma cautela maior do gestor.
JC – Como o TCE está tratando das licitações de água e esgoto nos municípios? Houve denúncias de favorecimento de empresa em São Luiz Gonzaga.
Miola – Em um primeiro momento, também tivemos a necessidade de nos capacitarmos em relação a esse tema, porque não vinham ocorrendo concorrências e licitações para a concessão desses serviços. Passamos a acompanhar todos os editais de licitações que vêm sendo publicados. Fizemos isso em relação a Uruguaiana, que acabou assinando a contratação, e São Gabriel, que também efetivou a contratação. Acompanhamos muito de perto também Santa Cruz do Sul, inclusive houve várias intercorrências nesse processo, mas, no TCE, ele acabou sendo arquivado, porque o município revogou a licitação. No entanto, eles continuam, pelo que sabemos, discutindo esse tema. Em São Luiz Gonzaga, que foi objeto dessa investigação do Ministério Público (que levou à prisão do ex-prefeito da cidade Vicente Diel, do PSDB, do ex-secretário de Obras Dilamar Batista e do ex-assessor jurídico da prefeitura Claudio Cavalheiro, por indícios de fraude na licitação dos serviços de abastecimento de água e esgoto), temos duas inspeções tratando da matéria. Em São Borja, há uma medida cautelar.
JC - O trabalho prossegue?
Miola - Vamos continuar acompanhando todas essas licitações por sua importância econômica e social. São contratos longos, de valores elevados, que estão envolvidos na prestação de um serviço absolutamente essencial para a população. O TCE vai examinar sempre à luz das normas e dos princípios constitucionais e da legislação. Houve um momento em que se suscitou que o tribunal era hipoteticamente contra os processos de privatização ou concessão. Mas o tribunal não tem esse tipo de posição, nem poderia. O TCE vai sempre verificar se todos os procedimentos legais foram observados.
Perfil
Cezar Miola, 47 anos, é natural de São João da Urtiga, na região Noroeste do Estado. Concluiu o Ensino Médio como Técnico em Agropecuária, em Sertão. Em 1987, graduou-se bacharel em Direito pela Universidade de Passo Fundo. Na década de 1980 e início dos anos 1990, exerceu as funções de assessor e secretário de Administração do município de Sertão e assessor jurídico e procurador dos municípios de São João da Urtiga e Cacique Doble. Em 1992, ingressou por concurso público no cargo de auditor público externo, do TCE, atuando nas funções de auditor de campo e de assessor superior junto à direção de Controle e Fiscalização e à consultoria técnica. Em 1998, novamente por concurso, assumiu como adjunto de procurador do Ministério Público de Contas, ascendendo a procurador-geral em 2000, cargo que exerceu até 2008. No biênio 2003-2004, foi presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas. A partir de abril de 2008, passou a ocupar o cargo de conselheiro do TCE, sendo eleito depois vice-presidente da Corte. Em julho de 2011, foi empossado na presidência do tribunal.